As Matryoshkas
11-03-2020
As Matryoshkas. E o vírus. E, já agora, o bem comum!
Imaginem que, enquanto sociedade, nos transformávamos em bonecas Matryoshkas. As famosas bonecas russas feitas de madeira e de diferentes configurações. Mas pertencentes a um mesmo conceito identitário da história de um povo. Agora, imaginem que, tal como as bonecas russas, também nós temos inscrito, na nossa pele, desenhos da nossa história política, social e pessoal. Talvez se tornasse mais simples despertarmos para a importância do bem comum. Não queria ser tão pessimista, ou realista, a ponto de afirmar que nos encontramos na "era do vazio", de uma perspectiva filisófica, nesta sociedade individualista ou neoliberal em que o valor individual parece ser o único a ser considerado, mas sinto (desculpem-me), por vezes, que andamos um pouco adormecidos para o bem comum, conceito que permite que recuperemos a continuidade histórica do nosso viver em sociedade jurídico-política. O mesmo é dizer, temos de despertar para um futuro civilizacional. As crises - sempre cíclicas e recorrentes ao longo da história - terão sempre um efeito essencial para este despertar. Se assim tivermos disponíveis para pensar sobre isso. E não nos agarrarmos a minudências que em nada nos acrescentam. Pensemos em todos os momentos fracturantes, em termos políticos e sociais, que desenharam a história das diversas nações. Ao longo dos séculos. Concordarão comigo se concluir que, em todos esses momentos, há um denominador comum: a importância de protegermos o bem comum. Ou seja: a dignidade da vida humana. O mesmo é dizer: a nossa continuidade histórica. Talvez por isso continuemos a não deixar de nos deslocarmos aos campos de concentração de Auschwitz. Como se nos perguntássemos, nesta tentativa de legendar a nossa história, num duplo sentido, "como é que foram capazes?" e "se fosse eu, naquelas circunstâncias, teria sido capaz do mesmo?" (não fiquem zangados comigo, por favor!). Agora, um vírus que se espalha a uma velocidade galopante. E o medo. E a saúde. E as empresas. E o caos. E a ordem social. E as crianças. E o governo. Todos fazemos parte de um todo, como as bonecas russas. E somos absolutamente essenciais na manutenção dessa ordem social. E na defesa das nossas liberdade e direitos fundamentais. Fazemos, todos, parte de um Estado de Direito. Bem sei que a política, como um bem essencial e já teorizado na antiguidade clássica, não vive os melhores dias! Mas era tão importante que recuperássemos este orgulho em sermos pensantes sociais e políticos, porque, no essencial, é o que permite esse mesmo garante na ordem pública. Não me levem a mal por recorrer a este cliché, mas precisamos todos uns dos outros. Imaginem peças de dominó, meticulosamente, organizadas e dispostas umas ao lado das outras. E uma delas cai. Acreditem, vai ter repercussão em todas as outras. Assim somos nós. Todos temos a nossa liberdade individual. Todos nos demarcamos pela nossa singularidade. Somos irrepetíveis e únicos. Mas, todos, acreditem, dependemos uns dos outros. Todos. Temos de despertar para este bem comum. Que somos todos nós. Que sou eu. Que és tu. E tu. E tu. E a sociedade. Que faz parte de algo maior. Que é maior e maior. Platão dizia-nos que o garante da pólis seria um conceito de organização interna baseada na ideia de Justiça que se obtém quando cada cidadão faz o que melhor lhe compete da melhor forma; defendia um governo dos sábios que tudo coloca ao serviço da cidade (claro que a democracia é um conceito que defendo arreigadamente, mais do que a sofocracia que nos falava Platão, mas não posso deixar de simpatizar com a ideia de sermos seres pensantes na política). Aristóteles acrescentava, num outro prisma, que o que mobilizava uma cidade seria a capacidade de tornar os seus membros felizes, pelo modo como se organizaria. Os romanos chamaram a atenção para a importância das normas e regras jurídicas e de respeitarmos um conjunto de leis que regem o bem-estar e garante social. São Tomás de Aquino lembra-nos que o bem comum adquiriria a sua configuração e sentido nas práticas de governação. Independentemente das derivações políticas que daí decorreram, ao longo dos séculos, há algo que defendo, com convicção e entusiasmo: todos precisamos uns dos outros. Somos peças de dominó que passamos a vida a sentir que as nossas liberdades são o preponderante quando, no essencial, as liberdades, minhas, as nossas e as tuas, devem andar lado a lado. Como as bonecas russas. Já Mahatma Gandhi dizia "sê a mudança que queres ver no mundo". E essa mudança começa em cada um de nós. Porque fazemos parte de um todo maior. Do bem comum. Este vírus está a despertar-nos - assim espero - para a necessidade de despertarmos para este conceito de bem comum. Precisamos de todos. Somos essa mudança. Se o governo, enquanto garante (e ele próprio constitutivo e edificado nesse conceito) da liberdade individual, da ordem social e do bem comum, toma medidas para precaver a dignidade da pessoa humana e a da salvaguarda na integridade pessoal, e se temos a ciência a acautelar-nos para tomarmos medidas de segurança, então, por favor, tomemo-las. Para respeitarmos as nossas liberdades. Porque preciso de ti. E tu precisas de mim. Já li, algures, pessoas indignadas com a fome no mundo e com a inércia em a resolver. Em contraponto com o alarido em torno deste vírus. Já li, também, que milhares de pessoas morrem de obesidade e ninguém faz nada. Têm razão. Mas não a têm. Ou melhor, têm. Mas, se calhar, não desta forma. Queremos tornarmo-nos melhores cidadãos? Então, actuemos em função disso. Seja em função de um vírus. Seja da fome no mundo. Da obesidade que nos preocupa. Ou do vizinho a quem perguntamos se tudo está bem. Não com a pretensão de "salvar o mundo". Mas com o desejo sincero, e entusiasmado, de queremos melhorar. De acreditarmos num conceito de sociedade justa e feliz para a qual todos devemos contribuir. De querermos manter a nossa continuidade histórica. De cuidarmos do futuro. A começar por nós. Pela nossa acção individual. Que nunca é só individual. Porque vivemos como as bonecas russas.
Imaginem que, enquanto sociedade, nos transformávamos em bonecas Matryoshkas. As famosas bonecas russas feitas de madeira e de diferentes configurações. Mas pertencentes a um mesmo conceito identitário da história de um povo. Agora, imaginem que, tal como as bonecas russas, também nós temos inscrito, na nossa pele, desenhos da nossa história política, social e pessoal. Talvez se tornasse mais simples despertarmos para a importância do bem comum. Não queria ser tão pessimista, ou realista, a ponto de afirmar que nos encontramos na "era do vazio", de uma perspectiva filisófica, nesta sociedade individualista ou neoliberal em que o valor individual parece ser o único a ser considerado, mas sinto (desculpem-me), por vezes, que andamos um pouco adormecidos para o bem comum, conceito que permite que recuperemos a continuidade histórica do nosso viver em sociedade jurídico-política. O mesmo é dizer, temos de despertar para um futuro civilizacional. As crises - sempre cíclicas e recorrentes ao longo da história - terão sempre um efeito essencial para este despertar. Se assim tivermos disponíveis para pensar sobre isso. E não nos agarrarmos a minudências que em nada nos acrescentam. Pensemos em todos os momentos fracturantes, em termos políticos e sociais, que desenharam a história das diversas nações. Ao longo dos séculos. Concordarão comigo se concluir que, em todos esses momentos, há um denominador comum: a importância de protegermos o bem comum. Ou seja: a dignidade da vida humana. O mesmo é dizer: a nossa continuidade histórica. Talvez por isso continuemos a não deixar de nos deslocarmos aos campos de concentração de Auschwitz. Como se nos perguntássemos, nesta tentativa de legendar a nossa história, num duplo sentido, "como é que foram capazes?" e "se fosse eu, naquelas circunstâncias, teria sido capaz do mesmo?" (não fiquem zangados comigo, por favor!). Agora, um vírus que se espalha a uma velocidade galopante. E o medo. E a saúde. E as empresas. E o caos. E a ordem social. E as crianças. E o governo. Todos fazemos parte de um todo, como as bonecas russas. E somos absolutamente essenciais na manutenção dessa ordem social. E na defesa das nossas liberdade e direitos fundamentais. Fazemos, todos, parte de um Estado de Direito. Bem sei que a política, como um bem essencial e já teorizado na antiguidade clássica, não vive os melhores dias! Mas era tão importante que recuperássemos este orgulho em sermos pensantes sociais e políticos, porque, no essencial, é o que permite esse mesmo garante na ordem pública. Não me levem a mal por recorrer a este cliché, mas precisamos todos uns dos outros. Imaginem peças de dominó, meticulosamente, organizadas e dispostas umas ao lado das outras. E uma delas cai. Acreditem, vai ter repercussão em todas as outras. Assim somos nós. Todos temos a nossa liberdade individual. Todos nos demarcamos pela nossa singularidade. Somos irrepetíveis e únicos. Mas, todos, acreditem, dependemos uns dos outros. Todos. Temos de despertar para este bem comum. Que somos todos nós. Que sou eu. Que és tu. E tu. E tu. E a sociedade. Que faz parte de algo maior. Que é maior e maior. Platão dizia-nos que o garante da pólis seria um conceito de organização interna baseada na ideia de Justiça que se obtém quando cada cidadão faz o que melhor lhe compete da melhor forma; defendia um governo dos sábios que tudo coloca ao serviço da cidade (claro que a democracia é um conceito que defendo arreigadamente, mais do que a sofocracia que nos falava Platão, mas não posso deixar de simpatizar com a ideia de sermos seres pensantes na política). Aristóteles acrescentava, num outro prisma, que o que mobilizava uma cidade seria a capacidade de tornar os seus membros felizes, pelo modo como se organizaria. Os romanos chamaram a atenção para a importância das normas e regras jurídicas e de respeitarmos um conjunto de leis que regem o bem-estar e garante social. São Tomás de Aquino lembra-nos que o bem comum adquiriria a sua configuração e sentido nas práticas de governação. Independentemente das derivações políticas que daí decorreram, ao longo dos séculos, há algo que defendo, com convicção e entusiasmo: todos precisamos uns dos outros. Somos peças de dominó que passamos a vida a sentir que as nossas liberdades são o preponderante quando, no essencial, as liberdades, minhas, as nossas e as tuas, devem andar lado a lado. Como as bonecas russas. Já Mahatma Gandhi dizia "sê a mudança que queres ver no mundo". E essa mudança começa em cada um de nós. Porque fazemos parte de um todo maior. Do bem comum. Este vírus está a despertar-nos - assim espero - para a necessidade de despertarmos para este conceito de bem comum. Precisamos de todos. Somos essa mudança. Se o governo, enquanto garante (e ele próprio constitutivo e edificado nesse conceito) da liberdade individual, da ordem social e do bem comum, toma medidas para precaver a dignidade da pessoa humana e a da salvaguarda na integridade pessoal, e se temos a ciência a acautelar-nos para tomarmos medidas de segurança, então, por favor, tomemo-las. Para respeitarmos as nossas liberdades. Porque preciso de ti. E tu precisas de mim. Já li, algures, pessoas indignadas com a fome no mundo e com a inércia em a resolver. Em contraponto com o alarido em torno deste vírus. Já li, também, que milhares de pessoas morrem de obesidade e ninguém faz nada. Têm razão. Mas não a têm. Ou melhor, têm. Mas, se calhar, não desta forma. Queremos tornarmo-nos melhores cidadãos? Então, actuemos em função disso. Seja em função de um vírus. Seja da fome no mundo. Da obesidade que nos preocupa. Ou do vizinho a quem perguntamos se tudo está bem. Não com a pretensão de "salvar o mundo". Mas com o desejo sincero, e entusiasmado, de queremos melhorar. De acreditarmos num conceito de sociedade justa e feliz para a qual todos devemos contribuir. De querermos manter a nossa continuidade histórica. De cuidarmos do futuro. A começar por nós. Pela nossa acção individual. Que nunca é só individual. Porque vivemos como as bonecas russas.