A profissão do meu pai!
Conheci
um menino. Olhar bonito. 7 anos. Converso com ele. A dado momento, pergunta-me:
-
Tu queres mesmo saber?
-Queria,
se concordares, respondi-lhe.
-
Acho que não vais gostar de saber.
-
A sério? Porquê?
-
Ele tem as mãos com marcas. Ele trabalha muito e vem com as mãos magoadas…
(…).
Vou
correr o risco de me sentirem moralista com o que vou escrever. Posso correr
esse, e mais, riscos, claro! Mas não faz mal. Não nos julgamos todos, direta ou
indiretamente, uns aos outros? Com as nossas supostas verdades sobre tudo e
sobre nada? “Esta é a minha verdade”, dizemos tantas vezes. Como se houvesse
verdades. E não, apenas, perspetivas. O nós e os outros. Os outros e o nós. Os
outros e…. Bem, já estou a divagar para além do que me trouxe aqui...
Voltando
ao menino de olhar bonito…o desconforto com que falava da profissão do pai.. num
misto de orgulho e embaraço por o seu pai, contrariamente a outros pais,
aparecer em casa com as “mãos magoadas” de trabalhar num ofício…duro. Estamos a
falar de um menino de 7 anos, com uma enorme sensibilidade, mas já um pouco “refém”
de conceitos sociais estratificados com que vai crescendo ao observar…os outros.
Quantos “outros” precisou ele para formar a ideia de que há profissões de primeira
e segunda classe? Quantos “outros” precisou ele para imaginar que há profissões
mais dignas do que outras? Quantos “outros” precisou ele (não se esqueçam...estamos
a falar de um corpo de 7 anos) para crescer com a ideia de que as mãos magoadas
do seu pai serão um sinal de que o seu pai exerce um ofício que não tem tanto
valor e criatividade como o desempenhado pelos pais dos “outros” com quem ele
convive? E nós? E nós? De quantos “outros” precisámos para considerarmos, por
vezes, que há pessoas de primeira e segunda classe? De quantos “outros” precisámos
para equacionarmos que uma pessoa que desempenha determinadas atividades
(socialmente mais reconhecidas, claro – e o social é uma entidade construída
por nós, não se esqueçam!) é mais elevada e merece uma maior distinção do que
outra? Juro que este assunto me incomoda. Juro que me incomoda que este assunto
seja, sequer, um assunto. Juro que me incomoda que não nos tenhamos
reconhecimento nas diversas profissões que desempenhamos. Incomoda-me que o facto
de uns terem prosseguido com os seus estudos mereça uma maior reverência por
parte dos outros. Vocês conhecem todas as histórias de quem vos rodeia? Vocês
sabem o percurso de vida daquela pessoa que, porventura, considerem menor pelo
ofício que desempenha? Vocês já pensaram que a pessoa que vos está a atender
pode precisar daquele emprego, que consideram “menor”, para poder “pagar as
contas” ao final do mês? Mesmo que tenha estudado tanto e tanto para poder
seguir o seu sonho…e, ainda, não tenha encontrado essa oportunidade? E não. Qualquer
ofício não ganha mais relevância se essa mesma pessoa passar a ganhar mais
dinheiro. O respeito pelo outro não é sinónimo do que ele ganha. Não pode ser.
Nem sinónimo do carro que “veste”. Não deveria ser. Idealmente, todos nós
ganharíamos bem. Idealmente, todos nós estaríamos bem. Não que esse ganhar tenha,
necessariamente, de ser uniforme para e por todos nós. Mas, idealmente,
ganharíamos melhor do que acontece, hoje, nalgumas profissões. Ainda assim, o
respeito que o outro nos merece não se compadece com o seu extrato bancário.
Não deveria acontecer dessa forma. Não sei…vou correr o risco de ser moralista.
Mas não faz mal. Porque, juro-vos, o respeito que tu, e tu, e tu, me merecem
nunca se balizará pelo que vocês vestem. Pelo que vocês exercem no vosso
trabalho. Nunca. Disse ao menino que, se o pai dele não trabalhasse, eu viveria
ao frio. O olhar dele agigantou-se de orgulho. Aquele orgulho que deveríamos
ter quando desempenhamos o nosso trabalho com o respeito e brio que nos merece.
E com criatividade. Criatividade? Pois... há tanto para falar sobre isto!
Talvez num próximo texto!