Está dentro dos valores médios. Que alívio, pensaremos nós! Diante de um exame médico. Já não será com tanta satisfação que legendamos o “estar na média” quando participamos nalguma competição desportiva. Ou, porventura, quando nos candidatamos a um emprego. Aí, queremos destacar-nos. Estar…acima da média. Já no que respeita às relações, imagino que não queremos “estar na média”. Mas sermos absolutamente especiais para alguém. E esse alguém acima da média para nós. Concordam?

Bem, e a “ditadura” ao crescer-se? Não raras vezes, imagino os pais num burburinho ansioso (que chega a doer) de cada vez que, em silêncio, observam os seus filhos percebendo se “estão na média”, quando o levam à escola, por exemplo. Média no andar, no falar, no tagarelar, no sono, na alimentação, no desfralde, no brincar, e, e, e, e…. E, sendo, seguramente, essas comparações, vividas no coração silencioso dos pais, naturalmente, expetáveis e, talvez, até saudáveis, já não o serão, assim tão fáceis de legendar quando esse mesmo filho começa a andar mais tarde do que o amigo da escola; quando o filho ainda está um pouco aquém do esperado na aquisição da linguagem e a sua amiga já tagarela tanto e tanto; quando o filho ainda não brinca com os brinquedos que, supostamente, apelam ao raciocínio lógico e hipotético-dedutivo e todos os jargões mais técnicos que poderemos usar… se, na sala dele, os restantes colegas já são tão hábeis nessas “competências”; quando o filho ainda não aprendeu todas as letras e os restantes colegas já sabem a totalidade do abecedário; quando o filho chora mais frequentemente do que os restantes deixando os seus pais um pouco (muito) embaraçados, em público (a ponto de, nalgumas circunstâncias, evitarem, futuramente, programas sociais outdoor); quando o filho refila mais do que os demais, na escola, se os restantes o não fazem naquelas proporções…A “ditadura” da média começa bem cedo. Já repararam? Com início na gestação (ou será, antes, no nosso pensamento?) prolonga-se pelos portões dos infantários, nas festas de aniversário, nalgumas reuniões de pais, por exemplo (não fiquem zangados comigo: não estou a dizer que acontecem sempre, mas acontecem, por vezes, algumas vezes). Nesses momentos, essas mesmas comparações (reais ou imaginadas) são vividas em silêncio, pelos pais. Porque se questionam: será que estamos a fazer bem? Ouviram, de alguém (sem que a intenção original fosse o de magoar, ainda que magoe): “o teu filho ainda não anda? O meu começou logo a andar ainda nem falava!!!” E os exemplos multiplicam-se. E, nesse dia, aquele pai/mãe, inevitavelmente, passará a ficar mais alerta para o nível da marcha do seu filho. E ficam mais ansiosos. E a criança percebe. E, nesse dia, tropeça mais do que o habitual. E o alarme dispara: “se calhar têm razão…o meu filho pode estar com problemas a aprender a andar”. Agora, imagem estas interrogações, silenciosas, e o modo como a “ditadura” da média poderá estar presente no nosso dia-a-dia. Tantas e tantas vezes. E como poderá afetar o próprio ritmo de desenvolvimento e o processo de crescimento. Atenção! Devem estar a perguntar-se: mas “estar na média”, em termos de conquistas desenvolvimentais, será bom, certo? Claro que sim. Significa que estamos no bom caminho! A média serve para isso mesmo. Portanto, tem o valor de referência. Logo, será importante estarmos atentos às médias expetáveis de aquisição desenvolvimental de um bebé. De uma criança. E assim sucessivamente. Mas, extrapolar, constantemente, e com o rigor inerente à intolerância de uma ditadura, esses mesmos intervalos médios para o desenvolvimento de um bebé/criança será, seguramente, arriscado. Porque o crescimento nunca se faz numa linha reta e sem “desarrumação”. Porque um bebé, de tanto crescer, por exemplo, ao nível da marcha (com todas as configurações incríveis que se arquitetam em termos neuronais) poderá estar, por instantes, um pouco aquém ao nível da linguagem. E vice-versa. Não que esteja. Mas poderá parecer que está. Os bebés/crianças têm um ritmo próprio de crescimento. Que deverá ser respeitado. Já repararam como, por vezes, somos tão ansiosos que eles cresçam tão rápido? Será isso ou, no limite, a ânsia, enquanto pais, da certeza de estarmos a fazer tudo bem? Não sei.. Mas sei que todos passamos, numa ou noutra circunstância, num ou noutro momento, pela “ditadura” da média. O “somos humanos” pode caber aqui, como justificação, não pode? O importante é irmos desconstruindo essa mesma linguagem tirana quando a ouvimos. Vezes e vezes demais. Atenção: é importante termos balizas. Estarmos atentos. E, se sentirmos que algo nos inquieta, enquanto pais, junto de um filho, será essencial procurarmos apoio especializado que nos ajude a perceber algumas potenciais assimetrias no crescimento e que merecem um trabalho clínico minucioso. Mas, permitirmos que a “ditadura” da média se instale, com todas as consequências que daí poderão advir, poderá ser perigoso. Para eles, os mais pequenos. E para os pais. Há uma premissa que, para mim, faz cada vez mais sentido no trabalho com pais e crianças. Os pais têm uma “sabedoria” e intuição muito própria sobre o seu filho. Que deve ser escutada. Já tive situações em que partilharam: “Eu fui dizendo, mas não me ouviram…pensaram que estava a exagerar…”; “eu falei que não achava normal, mas diziam-me para esperar que o tempo ajudava”. Não se deve, nunca, desvalorizar a intuição de mãe/pai. Temos de a escutar e legendar, sobretudo. E é por isso que será tão injusto que vivam sob a tirania da média, com o receio que o seu filho possa ficar aquém de um mundo que cresce a diferentes velocidades do dele. Porque crescer-se nunca se fará como se tratasse de um quociente da divisão de uma soma pelo número de parcelas. É mais extraordinário do que isso. Faz-se por avanços e recuos. Necessários a quem cresce. Faz-se de pulos. De desalinhos. De reestruturações. De ritmos. Médios, também. Mas que não se reduzem a essa média. Podem acontecer antes da média. Ou após. Se a sua intuição de mãe, de pai, lhe diz que algo não estará bem, não hesite. Procure ajuda especializada. Se a sua intuição de mãe, de pai, lhe diz que está sob a “ditadura” da média, observe, escute e respeite o ritmo do seu filho. Partilhe os seus receios com quem os escuta para que possam ter traduções. Acredite que, de um dia para o outro, ele dará esse pulo no crescimento. Ou um recuo. Para, depois, voar. No ritmo de cada um!